sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Um estudo dos conteúdos histórico-políticos da Scienza Nuova de 1744 de Giambattista Vico (I parte)

Giambattista Vico em sua obra Scienza Nuova de 1744, ao escrever sobre a gênese das nações deixa transparecer os conteúdos quer históricos, quer políticos que estão contidos em sua obra. Seu método constitui-se de uma análise tanto filológica quanto filosófica, tal método, conforme ele argumenta encontra-se embasado nos conceitos de ciência elaborados por Aristóteles e Francis Bacon. O primeiro por que afirmou que os objetos das ciências devem ser as coisas universais e eternas; o segundo, por seu método filosófico que parte das coisas naturais e transporta-as para “as coisas humanas civis”, conforme ele propõe na sua obra Cogitata et visa de interpretatione naturae, sive de inventione rerum et operum de 1609.
O problema na elaboração deste trabalho deveu-se sobretudo não a carência de conteúdos relacionados ao temas propostos, mas ao contrário ao excesso. Tive muita dificuldade em separar ambos os objetos da pesquisa, bem como os argumentos mais importantes e interessantes com os quais o autor expõe suas idéias. Vico à medida que descreve as origens das organizações políticas descreve História, de semelhante modo quando descreve as fábulas mitológicas e os fatos históricos descreve a Política.
Logo no início, na idéia da obra, o autor descreve pelo mito de Hercules, as figuras dos primeiros heróis desbravadores. Aqueles heróis que queimaram as florestas e estabeleceram as primeiras comunidades políticas. Por tal motivo a figura de Hércules é descrita ou denominada como um “caráter dos heróis políticos”, conforme vemos nesta passagem:

Na faixa do zodíaco que cinge o globo terrestre, mais do que os outros, comparecem em majestade (...) apenas dois signos do Leão e da Virgem, para significar que esta Ciência, nos seus princípios, contempla primeiramente Hércules (...) que se comprova ter sido o carácter dos heróis políticos que devem ter vindo antes dos heróis das guerras, pegou fogo e transformou em cultivado .

A contagem dos tempos entre os gregos se inicia com o cultivo dos campos. A figura da “Virgem” coroada de espigas simbolicamente significa que a história grega começa na “Idade do Ouro” narrada pelos poetas, e tal ouro em verdade era o trigo, que de acordo com Vico, teria sido “o primeiro ouro do mundo”. De modo semelhante, a contagem dos tempos entre os povos do Lácio esteve ligada à contagem das messes, ou seja, das colheitas. Tais povos denominaram esta primeira idade como sendo a “Idade de Saturno”. O Saturno dos latinos era figura idêntica a Cronos*, divindade grega associada ao tempo. A ciência da Cronologia relacionava-se “à doutrina dos tempos” .
Vico ao descrever seu método de estudo, que tem por base a análise filológico-filosófico amparando-se também na proposta de uma “nova arte crítica”, ele busca a verdade sobre os fundadores das nações e diz que decorreram cerca de mil anos até que surgisse m os escritores. O propósito de sua Ciência é fazer uma análise dos costumes, dos fatos, da linguagem e tudo o mais que esteja relacionado ao faze humano. Seu estudo possibilita a descoberta de uma “história ideal eterna”, na qual transcorre a história de todas as nações .
O estudo das fábulas do período heróico possibilita o conhecimento de uma cronologia da história poética dos deuses. Tais fábulas revelam tanto a história de seus heróis quanto de seus costumes e que estes foram comuns a todos os homens no seu estado de barbárie. Eis o motivo de o autor considerar as obras de Homero, a Ilíada e a Odisséia como sendo “dois grandes tesouros” que nos possibilitavam conhecer questões relativas quer aos costumes, quer ao direito natural dos povos na sua barbárie. Conforme vemos neste trecho:

Essa teogonia natural, ou seja, geração dos deuses, produzida naturalmente nas mentes dos homens primitivos, dá-nos uma cronologia refletida da história poética dos deuses. As fábulas heróicas foram histórias verdadeiras dos heróis e dos seus heróicos costumes, que se verifica terem florescido em todas as nações no tempo da sua barbárie; pelo que se comprova serem os dois poemas de Homero dois grandes tesouros para a descoberta do direito natural das gentes gregas ainda bárbaras .

O estilo homérico foi mantido por Heródoto, tido como o pai da História. Em sua obra é possível perceber o grande uso das fábulas, e tal uso permaneceu durante certo tempo entre os historiadores que adviriam, utilizando expressões que meneavam entre estilo poético e o vulgar. Será com Tucídides que a História ganha certo rigor quanto à veracidade dos fatos narrados, conforme vemos nesta passagem:

(...) Heródoto, chamado o pai da história grega, e cujos livros estão repletos, na sua maior parte, de fábulas, e o estilo retém muitíssimo do homérico; em cuja propriedade se conservaram todos os historiadores que depois vieram, que usam uma expressão intermédia entre a poética e a vulgar. Mas Tucídides, o primeiro historiador rigoroso e sério da Grécia, no princípio dos seus relatos, declara que, até o tempo de seu pai (que era o tempo de Heródoto, que era velho quando tucídides era criança), os Gregos, de facto, nada sabiam, não apenas das antiquidades estrangeiras (...), mas das suas próprias ;

Representado no Frontispício da Obra a figura do lítuo, ou seja, o bastão ou cajado, instrumento utilizado pelos primeiros adivinhos. É a partir da arte divinatória que começam a descobrir ou acreditar nas coisas divinas. Os hebreus pelo atributo da providência deles acreditavam ser Deus uma “Mente infinita” e que observa todos os tempos a partir de um ponto da eternidade; quando Deus atuava, ou seja, dizia o que havia de porvir, Ele o fazia por meio de anjos, porque eles são mente, ou por meio dos profetas que advertiam o povo. Os gentios tinham uma arte divinatória de procurar na própria natureza. Ora tal natureza dizia-se encontrar repleta de deuses. Tais deuses deixariam signos, e só os adivinhos reconheciam estes signos. Nestes os deuses nos aconselhavam quais decisões tomar, principalmente quando era de interesse comum . O lítuo, segundo Vico é um símbolo de que a partir da arte divinatória tem início a história universal gentílica, que por meio de suas provas “físicas e filológicas” demonstram que a história universal dos gentios tem início com o “dilúvio universal”. De acordo com esta passagem:

Sobre o altar, do lado direito, o primeiro a aparecer é um lítuo, ou seja, a vara com a qual os augures tomavam os augúrios e observavam os auspícios; o qual pretende dar a entender a adivinhação, a partir da qual o começaram as primeiras coisas divinas para todos os gentios (...) foi dado universalmente por todo o gênero humano à natureza de deus o nome de <>, a partir de uma mesma idéia, à qual os latinos chamaram <>, <> (...) Portanto, de uma só vez, com esse dito lítuo, se assinala o princípio da história universal gentílica que, com provas físicas e filológicas, se demonstra ter tido o seu começo no dilúvio universal .

A figura da urna cinerária no frontispício da obra demonstra a organização política dos primeiros pais da humanidade. Ela representa, conforme o autor, a divisão dos campos e a distinção das cidades e dos povos. Ora os gentios, após um período pós-diluviano vivendo como animais, vão aos poucos se estabelecendo com algumas mulheres e “abaladas e despertas” essas gentes criam e acreditam que uma divindade os observa. Temerosos com a violência das tempestades, que acreditam ser a manifestação de tal divindade, estas gentes iniciam um refreamento dos instintos e cuidam de tornar-se piedosos. A crença de uma divindade faculta-lhes o estabelecimento de dois outros princípios de humanidade: os casamentos e os sepultamentos. Com o casamento surgem as famílias e com os sepultamentos a posse do território que por longo tempo haviam ocupado, pois que nestes territórios estavam a s tumbas dos seus antepassados delimitando assim os costumes e os territórios de cada povo distintamente. Conforme vemos neste trecho:

Essa urna assinala, além disso, a origem, entre os mesmos gentios, da divisão dos campos, na qual se devem procurar encontrar as origens da distinção das cidades e dos povos e, por fim, das nações (...) e, assim dispersas, para procurar pasto e água e, por tudo isto, ao fim de longo tempo, tendo chegado a um estado de animalidade, em certas ocasiões ordenadas pela providência divina (que por esta Ciência se meditam e se descobrem), abaladas e despertas por um terrível pavor de uma divindade do Céu e de Júpiter por elas próprias inventadas e crida, finalmente, uns tantos detiveram-se e esconderam-se em certos lugares; onde, estabelecidos com certas mulheres (...) celebraram os matrimônios e fizeram filhos certos, e assim fundaram as famílias .

Com o estabelecimento dessas famílias junto às sepulturas dos seus pais confirmaram existir entre eles os fundadores das primeiras comunidades e entre eles surgiu a divisão dos campos. Esses primeiros pais eram denominados de “gigantes”. O que de acordo com Vico, tal termo em grego significa <>, o mesmo também significaria “descendentes dos sepultados”. Estes primeiros pais consideravam-se “nobres” porque pensavam com justiça (como sendo justo) o modo como eles haviam sido gerados, ou seja, gerados humanamente sob o temor de uma divindade .
Os primeiros que foram gerados dentro dos casamentos certos, ou seja, que foram humanamente gerados, foram denominados “geração humana” e das diversas famílias que desta geração ramificaram-se e desses descendentes vieram a se formar o que o autor denomina de “as primeiras gentes”. È a partir destas primeiras gentes têm início o que Vico chama de “doutrina do direito natural das gentes”. É com razões tanto físicas quanto morais, que vão além das histórias, que se comprova que estes primeiros pais eram, tanto em força, quanto em estatura gigantes no sentido atual do termo.
A história dos povos antigos pode ser desvelada a partir da história dos povos romanos e mais ainda, dos povos da Grécia. Quanto às denominações dos lugares e regiões do mundo, todos em sua grande maioria receberam seus nomes, a partir de lugares e regiões que a princípio estavam na própria Grécia. Só depois que os gregos partem pelo mundo, eles denominam os novos lugares de acordo com a semelhança com sua terra de origem. Estas descobertas são tidas como “os outros princípios da geografia”, que juntamente com a cronologia são os “olhos da História”. Estas duas ciências, conforme o autor são necessários para a leitura da “história ideal eterna”. Conforme esta passagem:

E, porque se comprova terem sido estes altares os primeiros abrigos do mundo (que Tito Lívio geralmente define <>, como nos é narrado ter Rómulo fundado Roma dentro do abrigo aberto no bosque), (...) A esta descoberta menor junta-se esta maior: que, entre os Gregos(...), a primeira Trácia ou Cítia (ou seja, o primeiro Setentrião), a primeira Ásia e a primeira Índia (ou seja, o primeiro oriente), a primeira Mauritânia ou Líbia ( ou seja, o primeiro Meio-Dia) e a primeira Europa ou primeira Hespéria (ou seja, o primeiro Ocidente) e, com estas, o primeiro Oceano, todas nasceram dentro dessa Grécia; e que depois, os gregos, que partiram pelo mundo, pela semelhança dos lugares deram estes referidos nomes às quatro partes do mundo e ao oceano que o cinge ;

Segundo Vico, os primeiros “ímpios-vagabundos-débeis” procuravam refúgio nestas primeiras cidades, para lá acorriam fugindo da perseguição dos gigantes mais furiosos e selvagens. Os gigantes já estabelecidos delimitavam seus territórios e acolhiam os mais fracos e subjugava ou matava aqueles ditos violentos e cruéis. Os acolhidos eram encarregados de produzir às suas expensas o próprio sustento, bem como o de seus salvadores. Estes acolhidos tornavam-se escravos que após algum tempo foram também capturados nas guerras. Estas a princípio originaram-se pela “defesa própria”, pois conforme o autor, esta é a legítima virtude da fortaleza .
Esta análise proporciona a descoberta de um desenho da “planta eterna das repúblicas”. Nesta planta pode se perceber que os Estados mesmo que conquistados por meio da força e da fraude precisam se estabelecer para que durem. Ao contrário, aqueles Estados conquistados por meio de ações virtuosas tendem após certo tempo a se degenerarem também pela força e pela fraude. Esta planta das repúblicas encontra-se embasada em dois “princípios eternos” do mundo das nações, ou seja, a mente e o corpo dos indivíduos, que pertencem a este mundo das nações. Aqui é impossível não notar a influência de Platão. Assim como se compõe o homem devem compor-se as nações, ou seja, que aqueles que usam a mente, que são os nobres comandem, e aqueles que usam o corpo, os plebeus e compõem a parte vil devem obedecer. Finalizo o texto com a seguinte passagem onde podemos perceber quão grande foram as marcas do pensamento platônico e por que não dizer aristotélico:

E em todas estas origens se descobre desenhada a planta eterna das repúblicas, sobre a qual os Estados se bem que conquistados com violência e com fraude, se devem estabelecer para durarem; como pelo contrário, os conquistados com estas origens virtuosas, depois se arruínam com a fraude e com a força (...) Pelo que – sendo os homens compostos por estas duas partes, das quais uma é nobre e como tal, deveria comandar, e a outra vil, a qual deveria servir .

Palavras-chave: História. Política. Ciência.

Bibliografia:
Obras de Vico:
VICO, Giambattista. A Ciência Nova [1744].Trad. port. Jorge Vaz de Carvalho. Portugal: Edições da Fundação Calouste Gulbenkian, 2005.
VICO, Giambattista. La Antiqüíssima Sabiduría de los Italianos Partiendo de los Orígenes de la Lengua Latina [1710]. Trad. esp. Francisco J. Navarro Gómez, in: Cuadernos Sobre Vico, Sevilla - España, 2000.
VICO, Giambattista. Autobiografia de Giambattista Vico. Edicición de Moisés González García y Josep Martínez Bisbal. Ed. Siglo Veintiuno Editores, SA. Madri, España. 1998.
VICO, Giambattista। El sistema de los estúdios de nuestro tiempo y Principio de oratória. Edición de Celso Rodríguez Fernandez y Fernando Romo Feito. Madrid. Clássicos de la cultura. Editorial Trotta S.A., 2005.

Obras sobre Vico:
BURKE, Peter. Vico. [1985]. Trad. br. Roberto Leal Ferreira, São Paulo: UNESP, 1997.
GUIDO, Humberto A. de Oliveira. Giambattista Vico: a filosofia e a evolução da humanidade. Petrópolis: Vozes, 2004.
BERLIN, Isaiah. Vico e Herder [1976]. Trad. br. Juan Antônio Gili Sobrinho, Brasília, 1982.
GUIDO, H. Aparecido de O. La niñez de Vico y la niñez en la filosofia de Vico, In: Cuadernos Sobre Vico. Sevilla: Universidad de Sevilla. 2000, pp. 149 - 162.
MOONEY, Michael. "La primacia del lenguaje en Vico"; in. TAGLIACOZZO, Giorgio. et al. Vico y el pensamiento contemporáneo [1976]. Trad. esp. Maria Aurora Ruiz. Canedo y Stella Mastrongelo, México: Fondo de Cultura Ecumenica, 1987 pp.184 -201.

Biblioteca Virtual VERUM / FACTUM

Resolvemos criar aqui a Biblioteca, Videoteca e discoteca Virtual VERUM / FACTUM. Sua finalidade? Dispor de materiais para a pesquisa, visto que algumas vezes demoramos e perdemos certo tempo na busca de fontes para uma pesquisa. Advirto de antemão que os livros que dispomos foram todos "pescados" da internet e não pudemos avaliar seus conteúdos, por isto pedimos aqueles que efetuarem a leitura dos textos comente a obra qualitativamente, e aqueles que disporem de edições "melhores", por favor, disponibilizem para nossa estantes virtuais seus exemplares. Aqui não visamos lucro, mas tãomente buscamos disponibilizar fontes para as pesquisas que estão sendo desenvolvidas no país ou no mundo. Acervo: Filosofia, Mitologia, Religião, Política, Literatura etc...
Obs.:Tenho algumas obras em outras linguas.
Obrigado a todos e boa pesquisa!
Marcos Aurélio
Os links para acessar os conteúdos são estes:
Videos sobre as obras de Vico
http://sophiavision.org/av_media_sources/La+Scienza+Nuova
Quintiliano Gramatico - O papel do mestre de oratória http://www.4shared.com/file/251352414/e986e597/Quintiliano_Gramtico_-_O_Papel.html
Tácito - De las costumbres, sitios e pueblos de la germania
http://www.4shared.com/file/251364154/e9eac774/Tcito_-_De_las_costumbres_siti.html
aristoteles - ètica a Nicômaco
Celso - El discurso verdadero contra los cristianos
Demócrito - Fragmentos
Aristóteles - A constituição de Atenas
Aristóteles - Del sentido y lo sensibile de la memoria e lo recuerdo
Aristóteles - Física
Aristóteles - poética
http://www.4shared.com/file/251390718/8d8f326f/Aristteles_-_Potica.html