Ubiracy de Souza Braga*
Jean-Paul Charles Aymard Sartre
(1905-1980) foi um filósofo, escritor e crítico francês, conhecido como
“representante do existencialismo”. Entre 1929 e 1931, Sartre presta o
serviço militar e torna-se soldado meteorologista. Escreve alguns contos
e começa a trabalhar em seu primeiro romance: Factum sur la contingeance, que depois viria a se chamar: La Nausée.
Embora tenha se candidatado ao cargo de Auxiliar de Catedrático no
Japão, ele é nomeado professor de filosofia de um liceu em Havre onde
permanece até 1936. Sartre ainda seria professor em Lion e Paris até
1944, quando abandonou definitivamente o magistério.
Desnecessário dizer que Sartre em 1924
ingressou na École Normale Supérieure na mesma turma de Nizan, Daniel
Agache e Raymond Aron. Músico e ator talentoso e sempre disposto a
participar de brincadeiras e eventos sociais, Sartre torna-se muito
popular entre os colegas. Os alunos da escola se dividem em grupos de
afinidades religiosas, “ateus” e “carolas”, e facções políticas:
socialistas, comunistas, reacionários, pacifistas. Sartre adere aos
ateus e aos pacifistas e enquanto Aron e Nizan aderem aos círculos
socialistas e comunistas e começa a participar da vida política
francesa, Sartre mantém o individualismo e o desinteresse pela política
que conservaria até o fim da Segunda Guerra. No campo filosófico, além
de Bergson, passou a ler Nietzsche, Kant, Descartes e Spinoza. Já na
École começa a desenvolver as primeiras ideias de uma “filosofia da
liberdade leiga”, tendo como representação a oposição entre os
seres e a consciência, do absurdo e da contingência que ele viria a
desenvolver posteriormente em suas grandes obras filosóficas. Seu
principal interesse filosófico é o indivíduo e a psicologia.
Em 1928 presta o exame de
mestrado e é reprovado. Durante o ano de preparação para a segunda
tentativa, estuda com Nizan e René Maheu na Sorbonne. Conhece a namorada
de Maheu, Simone de Beauvoir que mais tarde se tornaria sua companheira
e colaboradora até o fim da vida. Maheu havia apelidado Simone de
Beauvoir de “Castor”, devido à semelhança de seu nome com Beaver (castor
em inglês) e também “porque ela trabalhava como um castor”. Sartre
assume o apelido e passa a chamá-la de Castor pessoalmente e em todas as
cartas que lhe escreveu. Na segunda tentativa do mestrado, Sartre passa
em primeiro lugar, no mesmo ano em que Beauvoir obtém a segunda
colocação. Lembramos nessas notas que Sartre e Beauvoir nunca formaram
um casal monogâmico. Não se casaram e mantinham uma “relação aberta”.
Sua correspondência é repleta de confidências sobre suas relações com
outros parceiros. Além da relação amorosa, eles tinham uma grande
afinidade intelectual. Beauvoir colaborou com a obra filosófica de
Sartre, revisava seus livros e também se tornou uma das principais
filósofas do movimento existencialista. Sua obra literária que inclui
diversos volumes autobiográficos frequentemente relata o processo
criativo de Sartre e dela mesma.
Em 1933, ele é apresentado à fenomenologia de Husserl por Raymond Aron, que havia retornado de um período como bolsista do Institut Français
em Berlim. Percebendo a semelhança dessa corrente à sua própria teoria
da contingência, Sartre fica fascinado e imediatamente começa a estudar a
fenomenologia através de uma obra introdutória. Por sugestão de Aron,
candidata-se à mesma bolsa e, aprovado, permanece em Berlim entre 1933 e
1934. Durante esta viagem, estuda a fundo a obra de E. Husserl e
conhece também a filosofia de Martin Heidegger que influenciou
fortemente Jean-Paul Sartre, na França, e outros existencialistas.
Publica em 1936 o artigo La Transcendence de l`Égo, uma crítica à teoria do Ego Husserliana que por sua vez se baseava no Cogito cartesiano.
Em fevereiro de 1934, Beauvoir visita
Sartre em Berlim, a fim de certificar-se de que a nova paixão dele (pela
esposa de um amigo) não a ameaça. De volta a Rouen, Simone acaba
percebendo entre suas alunas Olga Kosakiewicz, “a pequena russa”, por
quem rapidamente se afeiçoa, não demorando a ser correspondida. Com o
retorno de Sartre à França, Beauvoir, ele e Olga iniciam uma espécie de
triângulo amoroso, o Trio. Jacques-Laurent Bost,
ex-aluno de Sartre no Havre, acaba se juntando ao grupo de amigos de
Simone e Sartre, “la petite famille”, que fazem do Hôtel Le Petit Mouton
seu quartel-general.
O filósofo Gabriel Marcel aplica o termo
“Existencialismo” ao conjunto de ideias que a obra de Sartre e Beauvoir
corporifica. Em junho, em virtude de uma denúncia da mãe de Nathalie
Sorokine, que acusa Simone de corrupção de menores, Beauvoir é excluída
da universidade, perdendo seu salário e não podendo mais lecionar em
lugar algum da França. Embora nada tenha sido provado (devido a uma
estratégia muito bem ensaiada pelos membros da petit famille)
e o caso encerrado, o reitor da Sorbonne acha inadmissível manter
Beauvoir no corpo docente. Ela não era casada e vivia há anos em
concubinato com Sartre; não tinha domicílio fixo, residia em hotéis,
corrigia os trabalhos das alunas em cafés e dava aulas sobre os
escritores homossexuais Proust e Gide; além disso, Simone demonstrava
profundo desprezo por toda a disciplina moral e familiar. Beauvoir será
readmitida depois da guerra, entretanto, decidirá não mais voltar a
lecionar. Para ganhar a vida, ela consegue um trabalho mensal na
Radio-Vichy.
Beauvoir participa na casa de Michel Leiris, da leitura de uma peça de teatro escrita por Picasso: Le Désir Attrapé par la Queue. Conhece Salacrou, Bataille, Limbour, Lacan, Picasso e Braque. Entre março e abril acontecem as fiestas, agitados encontros que se estendem pela madrugada da Paris ocupada. Para tanto, la petite famille
se reveza com outros amigos na escolha dos locais de encontro: o
apartamento ou quarto de hotel de um deles. Entre abril e julho Simone
escreve sua única peça Les Bouches inutiles, que se
mostra um grande fracasso quando encenada, saindo de cartaz depois de 50
apresentações. Em fevereiro de 1934, Beauvoir visita Sartre em Berlim, a
fim de certificar-se de que a nova paixão dele (pela esposa de um
amigo) não a ameaça. De volta a Rouen, Simone acaba percebendo entre
suas alunas Olga Kosakiewicz, “a pequena russa”, por quem rapidamente se
afeiçoa, não demorando a ser correspondida. Com o retorno de Sartre à
França, Beauvoir, ele e Olga iniciam uma espécie de triângulo amoroso, o
Trio. Jacques-Laurent Bost, ex-aluno de Sartre no Havre, acaba se
juntando ao grupo de amigos de Simone e Sartre, “la petite famille”, que
fazem do Hôtel Le Petit Mouton seu quartel-general.
Simone e Sartre “adotam” Olga,
responsabilizando-se por seus estudos, que não tardam a fracassar. O
relacionamento do Trio experimenta seu apogeu, e logo em seguida vem o
declínio. Olga inicia um envolvimento com Bost. Beauvoir começa a
escrever uma série de contos e novelas que mais tarde comporiam o livro
Quando o Espiritual Domina. No verão de 1936, transferida para Paris,
Simone começa a lecionar no Lycée Molière, instalando-se no Hôtel Royal
Bretagne. Sartre é transferido para Lion, mas o Trio e la petite famille
continuam a existir, fazendo do Dôme seu novo ponto de encontro. Vítima
de uma congestão pulmonar, Beauvoir é hospitalizada. Para uma
convalescença apropriada ela se muda para um hotel mais confortável (e
caro) na rue Delambre. Em 1937, durante uma viagem pelos Alpes, Simone
envolve-se com Bost, que lhe fazia companhia - o que, de certo modo,
acaba provocando a dissolução definitiva do Trio. Incentivada por Sartre
a colocar mais de si mesma em seus livros, Beauvoir começa a escrever A Convidada.
Início de um “novo trio”: Beauvoir,
Sartre & Bianca. Entretanto, em virtude da guerra, o relacionamento é
bruscamente interrompido. Em 3 de setembro a Segunda Guerra Mundial é
declarada. Sartre é convocado para o exército, Bost também. Numa Paris
subitamente vazia, Simone começa a escrever um diário específico sobre
este período, do qual uma parte será incorporada, bem mais tarde, em A Força das Coisas.
Dispensada de suas funções no Lycée Molière desde a declaração de
guerra, Beauvoir consegue, em outubro, um lugar como professora no Lycée
Camille-Sée e também no Lycée Henri-IV. Nestas instituições suas aulas
eram frequentemente interrompidas pelos alertas de bombardeio. Muda-se
para o Hôtel du Danemark, na rue Vavin. Apesar (ɐpə'zardə)
de não ser casada com Sartre, Simone obtém um salvo-conduto que lhe
permite visitá-lo em Brumath. No tempo em que passam juntos, leem o que
haviam escrito “cada um na ausência do outro”.
Para sermos breves, o termo “feminismo
francês” se refere a um ramo do feminismo que teria nascido a partir de
um grupo de estudiosos franceses, da década de 1970 à de 1990. O
feminismo francês, comparado ao anglófilo, se destaca por uma abordagem
mais filosófica e literária, e seus escritos tendem a ser efusivos e
metafóricos, menos preocupados com a doutrina política, e geralmente
mais focados nas teorias “do corpo”. O termo inclui autores que não são
necessariamente franceses, mas que trabalharam substancialmente na
França ou na tradição francesa, tais como Julia Kristeva e Bracha
Ettinger. No livro O Segundo Sexo, de 1949, Simone
Beauvoir realiza uma análise detalhada da opressão sofrida pela mulher e
um tratado com as fundações do feminismo contemporâneo. O livro
estabelece um “existencialismo feminista”, que determina uma revolução
moral. Como existencialista, aceitou o preceito de Jean-Paul
Sartre segundo o qual “a existência precede a essência” e, portanto,
“não se nasce uma mulher, torna-se uma”. Sua análise se concentra na
construção social da Mulher como “o Outro”, que ela identifica como
sendo fundamental à opressão da mulher. Um de seus argumentos é o de que
as mulheres teriam sido consideradas, ao longo da história, como
anormais e transviadas, e sustenta que até mesmo Mary Wollstonecraft
considerava os homens como o ideal aos quais as mulheres deviam aspirar;
para o feminismo seguir adiante, segundo ela, esta atitude deveria ser
abandonada.
Em agosto de 1944 Paris é libertada, mas a guerra continua. Pyrrhus et Cinnéas
é lançado pela Gallimard, sendo bem acolhido. Beauvoir conhece
Hemingway, e faz amizade com Nathalie Sarraute e Violette Leduc. Em
1945, juntamente com Sartre, Simone torna-se uma das fundadoras da
revista Les Temps Modernes, que permanecerá no centro
da vida intelectual francesa pelos próximos 25 anos, tomando posições
radicais e de esquerda nas frentes nacional e internacional de
libertação. Viaja a Portugal, de onde escreve vários artigos para o Combat, assim como O Sangue dos Outros, é publicado em setembro, tornando-se de imediato sucesso de crítica e de público. Segundo romance de Simone de Beauvoir, O Sangue dos Outros
narra o conflito de um membro da Resistência, que se vê forçado a optar
entre o engajamento social e o dever pessoal. Seguindo o pensamento
existencialista, a autora procura analisar “a maldição original que
constitui, para cada indivíduo, sua coexistência com todos os outros”.
Vale lembrar que no ano 1938 Jean-Paul Sartre publica o romance La Nausée e a coletânea de contos Le mur. O livro A Náusea apresenta, em forma de ficção, o tema da contingência
e torna-se seu primeiro sucesso literário, o que contribui para o
início da influência de Sartre na cultura francesa e no surgimento da
“moda existencialista” que dominou Paris na década de 1940. Ele
acreditava que os intelectuais têm de desempenhar um papel ativo na
sociedade. Era, portanto, um artista militante, e apoiou causas
políticas de esquerda com a sua vida e a sua obra. Repeliu as distinções
e as funções oficiais e, caras nestes tempos e por estes motivos, se
recusou a receber o Nobel de Literatura de 1964. Sua
filosofia defendeu a tese na qual: no caso humano (e só no caso humano) a
existência precede a essência, enquanto todas as outras coisas são o
que são, sem se definir, e por isso sem ter uma “essência” posterior à
existência.
Nele Sartre desafia o conceito de que o
ego “é um conteúdo da consciência” e afirma que ele “está fora da
consciência, no mundo e a consciência se dirige a ele como a qualquer
outro objeto do mundo”. Este é um dos primeiros passos para livrar a
consciência de conteúdos e torná-la o “Nada” que mais tarde seria um dos
conceitos-chave do existencialismo. De volta à França, continua a
trabalhar nas mesmas ideias e entre 1935 e 1939 escreve L`Imagination, L`Imaginaire e Esquisse d`une théorie des émotions. No caso de livro: Lo Imaginario. Psicologia Fenomenologica de la Imaginacion (1948), Sartre faz a descrição de seu método:
“Pese a algunos prejuicios, sobre
los cuales pronto hemos de volver, es seguro que, cuando produzco en mí
la imagen de Pedro, es Pedro el objeto de mi consciência actual. En
tanto que esta consciência se mantega inalterada, podré dar una
descripción del objeto tal como se me aparece en la imagen, pero no de
la imagen en tanto que es imagen. Para determinar los caracteres propios
de la imagen como imagen, es necessário recurrir a un nuevo acto de
consciência: es necessário recurrir a um nuevo acto de consciência: es
necessário reflexionar (...). Es este acto reflexivo el
que permite formular el juicio: ´tengo una imagen` (...). Pero hemos de
ver más adelante que estas afirmaciones reposan sobre un error. En
efecto, la confusión es imposible. Eso que se há convenido em llamar
´imagen`, no se da imediatamente como tal a la reflexión. Pero es que no
se trata aqui de obtener una revelación metafísica e inefable. Si estas
conciencias se distinguen imediatamente de todas las demés; es porque
se presetan a la reflexión com ciertas marcas, comn ciertas
características que determinan, de imediato, el juicio ´tengo una
imagen´. El acto de reflexión tiene, entonces, un contenido determinado
al cual llamaremos la esencia de la imagen. Esta
esencia es la misma para todo hombre; la primera y primordial tarea del
psicólogo es la de explicarrla, es la describirla, es la de fijarla”. Mas para Sartre: “La Imagen es una Conciencia”, e
tem como caraterística que: “La consciência imaginante supone a su
objeto como una nada”. Pero es bien evidente que nuestra descripción
imaginante sería muy incompleta sí no intentáramos a saber: 1º) Cómo la
conciencia irreflexiva supone a su objeto; 2º) Cómo esta conciencia se
aparece a sí minsma en la conciencia no-tética que acompanha la
situación del objeto (cf. Sartre, 1948: 23-24).
Volta então suas pesquisas para Martin Heiddegger e começa a escrever L´Être et le néant, onde condensa todos os conceitos importantes da primeira fase de seu sistema filosófico, mas para o que nos interessa:
“Du moment qu'il exist des êtres qui
ont à être ce qu'ils sont, le fait d'être ce qu'on est n'est nullement
une caractéristique purement axiomatique: il est un principe contingent
de l'être en soi. Em ce sens, le principe d'identité, principe des
jugements analytiques, est aussi un principe régional synthétique de
l'être. Il désigne l'opacité de l'êtreen- soi. Cette opacité ne tient
pas de notre position par rapport à l'en-soi, au sens où nous serions
obligés de l'apprendre et de l'observer parce que nous sommes 'dehors'.
L'être-en-soi n'a point de dedans qui s'opposerait à un dehors et qui
serait analogue à un jugement, à une loi, à une conscience de soi. L'en-soi n'a pas de secret: il est massif. En un sens, on peut le désigner comme une synthèse. Mais c'est la plus indissoluble de toutes: la synthèse de soi avec soi” (cf. Sartre, 1955: 33).
Portanto, toda consciência
supõe a seu objeto, mas cada uma sua própria maneira. A percepção, por
exemplo, supõe a seu objeto como existindo. A imagem encerra, ela
também, um ato de crença o ato posicional. Este ato pode tomar quatro
formas e nada mais que quatro: pode supor ao objeto como inexistente, ou
como ausente, ou como existindo em outra parte; pode também
“neutralizar-se”, isto é, não supondo a seu objeto como existindo. Dois
destes atos são negociações: o quarto corresponde a uma suspensão ou
neutralização da tese. O terceiro, que é positivo, supõe uma negação
implícita da existência atual e presente do objeto. Estes atos
posicionais - esta observação é capital - não se agregam à imagem uma
vez que se tem constituído: o ato posicional é constituído da
consciência da imagem. Toda outra teoria, ademais de que seria contrária
aos dados da reflexão, nos faria cair na ilusão da imanência.
A analítica existencial desenvolvida por Sartre em O Ser e o Nada - Ensaio de Ontologia Fenomenológica (1997)
tem como resultado maior a sua noção de liberdade. Todo o percurso
argumentativo trilhado pelo nosso pensador nos conduziu ao Para-si
como um tipo de ser que deve fazer-se ao invés de simplesmente ser. A
partir do momento que Sartre recusou quaisquer tipos de “conteúdos” para
a consciência, só restou a esta apoiar-se em sua própria
intencionalidade e projetar-se no futuro, isto é, criar indefinidamente
seu próprio ser. Ademais, a negação interna que faz com que o Para-si
apreenda-se como não sendo o mundo que lhe circunda obrigou-o a
escolher-se, uma vez que lhe é ontologicamente vedada a possibilidade de
ter a “permanência” e plenitude das pedras. Diante disso, julgamos
encontrar implícitos no pensamento sartreano os pressupostos de uma
filosofia da ação, uma vez que o ser do Para-si é sempre posto pelo
filósofo em termos de “escolhas” e de um “fazer-se”. Ao recusar
quaisquer determinismos para o Para-si, Sartre o considerará em termos de liberdade. E esta liberdade estará toda em ato.
Enfim, para Sartre, dizer
que a existência precede a essência “significa que, em primeira
instância, o homem existe, encontra a si mesmo, surge no mundo e só
posteriormente se define. O homem, tal como o existencialista o concebe,
se não é passível de uma definição, é porque de início não é nada: só
posteriormente será alguma coisa e será aquilo que ele fizer de si
mesmo”. Podemos notar aqui que Sartre parte de uma “indeterminação” do
homem, ou melhor, parte do fato concreto da existência do homem no
mundo, quando ele apreende a si mesmo na sua solidão e no seu
“desamparo”, para usarmos aqui de um termo heideggeriano. Uma vez que o
filósofo já descartou a ideia de Deus e de uma possível “natureza
humana” (o homem como algo criado por um ser superior), só resta ao
homem permanecer num estado de indefinição. Logo, se o homem não é
suscetível de uma definição no momento mesmo em que ele apreende a si
mesmo na existência, então ele não é nada a priori. E Sartre dá a chave
da questão: o homem apenas será algo a partir daquilo que ele fizer de si mesmo (cf. Silva, 2010).
Politicamente falando sua participação
na Resistência não é aceita por todos, e o filósofo Vladimir
Jankélévitch o reprova por sua “falta de engajamento político” durante a
ocupação alemã, e vê em seus posteriores combates em prol da liberdade
uma tentativa de se redimir por esta atitude. Em 1945, ele cria e passa a
dirigir junto a Maurice Merleau-Ponty a revista Les Temps Modernes,
onde são tratados mensalmente os temas referentes à literatura,
filosofia e política. Além das contribuições para a revista, Sartre
escreve neste período algumas de suas obras literárias mais importantes.
Sempre encarando a literatura como meio de expressão legítima de suas
crenças filosóficas e políticas, escreve livros e peças teatrais onde se
destaca a peça Huis Clos (1945) e a trilogia: Les Chemins de la liberte, composta pelos romances: L`age de raison (1945), Le Sursis (1947) e Le mort dans l`âme (1949).
Foto: Capa do filme “Entre Quatro Paredes”, de Jean-Paul Sartre.
O parisiense Sartre foi um dos mais importantes intelectuais do século XX, nos legou O Ser e o Nada; Crítica da razão dialética (filosofia); A náusea, A idade da razão, Sursis; Com a morte na alma (romance); A palavra (autobiografia); As moscas; Entre quatro paredes (teatro); O que é a literatura? (crítica literária), entre outros trabalhos, também era admirador do cinema, como nos conta Simone de Beauvoir, em sua obra Na força da idade (1961): “Havia um modo de expressão que Sartre colocava tão alto quanto a literatura: o cinema.
Foi olhando passarem imagens numa tela que teve a revelação da
necessidade da arte e descobriu, por contraste, a deplorável
contingência das coisas dadas. Pelo conjunto de seus gestos artísticos,
ele era mais clássico do que moderno, mas essa predileção situava-o
entre os modernos. Meus pais, os seus, todo um vasto meio burguês ainda
encaravam o cinema como um divertimento para o povinho”; na Ècole Normale
Sartre e seus camaradas “tinham consciência de pertencer a uma
vanguarda quando discutiam gravemente as fitas que apreciavam”. Eu
estava menos entusiasmado do que ele, mas acompanhava-o assim mesmo com
empenho aos cinemas de exclusividade e aos pequenos cinemas de bairro
onde ele descobria programas convidativos; não íamos apenas para nos
divertir; e sim com a mesma seriedade dos jovens devotos quando entram
numa cinemateca.
Quando o assunto é o existencialismo no
cinema, os críticos se dividem. Há uma corrente de pensamento que
acredita que Jean-Paul Sartre influenciou cineastas em suas produções. E
há aquelas que preferem crer nas coincidências. E existem na história
fatos sociais que comprovam alguma relação do filósofo com a Sétima
Arte. Como por exemplo, sua atuação como roteirista. De acordo com o
artigo “A Estética Existencialista”, publicado na Enciclopédia de
Filosofia de Stanford em 26 de junho de 2009, o filósofo escreveu
roteiros durante a Segunda Guerra Mundial, em sua temporada como
empregado de uma produtora “Huis clos”, entre nós, lançado como “Entre
Quatro Paredes”, “Les jeux sont faits”, em português: “Os Dados Estão
Lançados” e “I Sequestrati di Altona”, em português: “O Condenado de
Altona” foram os que resultaram em filmes.
Enfim, o “existencialismo ateu” de
Sartre, por sua natureza avessa aos dogmas da igreja e da moral
constituída, atraiu muitos grupos que viam na defesa da liberdade e da
vida autêntica um endosso à vida desregrada - obviamente, por um erro na
compreensão do que há de essencial na concepção de liberdade elaborada
pelo filósofo francês. Por razões semelhantes foi vista por muitos como
uma filosofia nociva aos valores da sociedade e à manutenção da ordem.
Seria uma filosofia contra a humanidade. Esta é uma das razões porque
toda a obra de Sartre foi incluída no Index de obras proibidas pela
Igreja Católica. Sartre responde a isso na conferência “O
existencialismo é um humanismo” em que afirma que o existencialismo não
pode ser refúgio para os que procuram o escândalo, a inconsequência e a
desordem. O movimento, segundo este texto, não defende o abandono da
moral, mas a coloca em seu devido lugar: na responsabilidade individual
de cada pessoa. O existencialismo reconhece, assim, a possibilidade de
uma moral laica em que os valores humanos existem sem a necessidade da
existência de Deus. A moral existencialista pretende que as escolhas
morais não sejam determinadas pelo medo da punição divina, mas pela
consciência da responsabilidade.
No meio acadêmico, o existencialismo foi
criticado por tratar exclusivamente de questões ontológicas, e por sua
defesa da autodeterminação. O existencialismo seria uma filosofia
excessivamente preocupada com o indivíduo, sem levar em conta os fatores
socioeconômicos, culturais e os movimentos históricos coletivos que,
segundo o marxismo e o estruturalismo, determinam as escolhas e diminuem
a liberdade individual. Em resposta a esta crítica, Sartre fez
alterações ao seu sistema, e escreveu “A crítica da razão dialética”
como tentativa de compatibilizar o existencialismo ao marxismo. Dos dois
tomos planejados, apenas o primeiro foi publicado em vida em 1960. O
segundo tomo, inacabado, foi publicado postumamente. Neste texto, afirma
que “o marxismo é a filosofia insuperável de nosso tempo”, e admite que
enquanto a humanidade estiver limitada por leis de mercado e pela busca
da sobrevivência imediata, a liberdade individual não poderia ser
totalmente alcançada.
Não se pode negar sua duradoura
influência sobre os mais variados ramos do conhecimento humano. Por ser
muito voltado à discussão de aspectos formadores da personalidade
humana, o existencialismo exerceu influência na psicologia de Carl
Rogers, Fritz Perls, R. D. Laing e Rollo May. Na literatura, influenciou
a poesia da Geração Beat, cujos maiores expoentes foram Jack Kerouac,
Allen Ginsberg e William S. Burroughs, além dos dramaturgos do chamado Teatro do absurdo.
Sartre prova sua relevância até na TV contemporânea, onde o cultuado
produtor Joss Whedon costuma inserir o existencialismo em seus projetos:
Buffy, a Caça Vampiros, Angel e Firefly - o que, através da repetição
descontextualizada dos jargões existencialistas, acaba por contribuir
para a incompreensão e reforça preconceitos já existentes. Através de
suas contribuições à arte, Sartre conseguiu inserir a filosofia na vida
das pessoas comuns. Esta continua a ser sua maior contribuição à cultura
mundializada, ou à divisão internacional do trabalho intelectual.
Bibliografia geral consultada:
BRAGA, Ubiracy de Souza, “Notas Sobre o Bicentenário d`A Fenomenologia do Espírito”. Disponível no site: http://www.achegas.net/numero/33/ubiracy_33.pdf; Idem, “Simplesmente: Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir”. Disponível no site: http://cienciasocialceara.blogspot.com.br/2011/09/simplesmente-simone-lucie-ernestine.html; Idem, “Prolegômenos sobre arte, técnica e cinema em Walter Benjamin”. Disponível no site: http://espacoacademico.wordpress.com/2011/11/16/; Idem, “Martin Heidegger e o caráter de apelo da consciência: Be-deuten”. Disponível no site: http://www.oreconcavo.com.br/2012/01/16/martin-heidegger-e-o-carater-de-apelo-da-consciencia-be-deuten/; Idem, “Cinema, Terror & Ilusão!”. Disponível no site: http://httpestudosviquianosblogspotcom.dihitt.com.br/n/opiniao-e-noticias/2012/07/26/; Idem, “Píer Paolo Pasolini: Profeta e mártir do cinema”. Disponível no site: http://www.oreconcavo.com.br/2012/03/25/; SARTRE, Jean-Paul, Lo Imaginario - Psicologia Fenomenologica de la Imaginacion. Buenos Aires: Ibero-Americana, 1948; Idem, L`être et le Néant: essai d`ontologie phénoménologique. Paris: Gallimard, 1955; Idem, “O Existencialismo É um Humanismo”. In: Os Pensadores. Vol. XLV. São Paulo: Abril Cultural, 1979; Idem, O Ser e o Nada - Ensaio de Ontologia Fenomenológica. Petrópolis (RJ): Vozes, 1997; Idem, Crítica da Razão Dialética. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2002; Idem, As Palavras. 2ª edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005; LÉVY, Bernard-Henri, O Século de Sartre. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 2001; RIBEIRO, Renato Janine, “O Pensador que Engajou a Filosofia na Política”. Revista Cult (Especial Filosofia). São Paulo: Editora Bregantini, novembro 2005, ano 8, número 97, pp. 52-55; COHEN-SOLAL, Annie, Sartre. Tradução de Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM Editores, 2005; Idem, Sartre: uma Biografia. 2ª edição. Porto Alegre: L&PM Editores, 2008; BEAUVOIR, Simone de, Na Força da Idade. Vol. I. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1961; pp.43-44; MOUTINHO, Luiz Damon Santos, Sartre: Existencialismo e Liberdade (Coleção Logos). São Paulo: Moderna, 1996; SILVA, Paulo César Gondim, O Conceito de Liberdade em O Ser e O Nada de Jean-Paul Sartre. Dissertação de Mestrado em Filosofia. PPGF; UFRN, 2010; 110 páginas, entre outros.
_______________
* Professor Associado do curso de Ciências Sociais (UECE). Texto escrito e falado no V Seminário do Grupo de Estudos Sartre
(GES) - Filosofia da Arte: “Só a Realidade Interessa”, de 12 a 15 de
setembro de 2012, Centro de Humanidades (CH/UECE). Agradeço o gentil
convite da profa. Eliana Sales Paiva, do curso de Filosofia da UECE e
Coordenadora do Grupo de Estudos Sartre no Ceará.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAlguém poderia poderia dizer:Mas o que Sartre faz aqui no blog de estudos do Vico? Bem os autores apesar de distantes no tempo e no espaço tem algo de semelhante. A exemplo de termos e ideias como: Humanismo, o homem como produtor de si mesmo, a responsabilidade pelas decisões e ações etc.
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