quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

O desafio de lecionar filosofia

 



Obrigatória no ensino médio há quatro anos, disciplina não desperta interesse nos estudantes. Filósofos tentam encontrar solução para mudar esse quadro.

Por Célio Yano
Filósofos têm usado uma expressão bastante popular para definir a decisão do Ministério da Educação de instituir, em 2008, a obrigatoriedade do ensino de filosofia para alunos de nível médio. A medida, que, por um lado, é vista como positiva, por outro, teria sido ‘enfiada goela abaixo’, uma vez que não foi precedida de iniciativas que permitissem sua aplicação de modo eficiente.
Tanto é que quatro anos depois da sanção da lei 11.684/2008, que inclui a disciplina de filosofia – além da de sociologia – no currículo do ensino médio, grande parte dos professores está despreparada para lidar com a matéria, constatam os pesquisadores da área. Diante do problema, filósofos de todo o país defendem a criação de linhas de pesquisa e até programas de pós-graduação específicos para o desenvolvimento do ensino nas escolas.
Na Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia (Anpof), o tema ganha cada vez mais espaço. No último encontro nacional da entidade, realizado no fim de outubro em Curitiba, um conjunto inédito de eventos paralelos foi organizado para discutir os problemas e as possíveis soluções envolvidas com a questão.
Para Patrícia Velasco, da Universidade Federal do ABC (UFABC), o primeiro ponto a se refletir é que, apesar de ter relação com a área de educação, o ensino de filosofia deveria ser objeto de estudo por parte de filósofos. “Hoje, o professor que pretende se especializar tem de recorrer a programas de pós-graduação na área de educação”, lembrou, durante o encontro da Anpof.
“Acredito que há pressupostos filosóficos no ensino de filosofia, como a própria identidade da filosofia”, disse. “Diferentes respostas geram diferentes métodos de ensino.” Daí viria a necessidade de criação de programas de pós-graduação, em filosofia, voltados para a pesquisa sobre ensino, o que ainda não existe no Brasil.

Embora não seja consensual, muitos pesquisadores defendem a criação de mestrados profissionais em filosofia para aprimorar a formação de professores de educação básica. O modelo seria o mesmo do Profmat, programa de especialização financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para professores de matemática da rede pública.
O consenso entre os pesquisadores da área é que, diferentemente de outras matérias, a filosofia não pode ser ensinada por meio da simples transferência de conhecimento para os alunos. “Professor e estudante são, simultaneamente, sujeito e objeto da disciplina”, definiu o filósofo Luciano Kaminski, do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professor do ensino médio em Curitiba.
Para ele, o modelo engessado da educação básica no Brasil é outro entrave para a evolução do ensino de filosofia. “É preciso repensar o tempo de aula, a abrangência do conteúdo e os métodos de avaliação.”
À carência de políticas voltadas para a formação de professores de filosofia, soma-se o que o filósofo Filipe Ceppas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, considera a falência do atual modelo escolar. “Nossa escola nunca foi suficientemente republicana nem democrática, por estar baseada em princípios como a disciplinarização e a meritocracia”, afirmou. “A filosofia e os professores de filosofia têm muito a contribuir no sentido de reverter essa situação, mas o debate precisa ser horizontal, ou seja, deve envolver toda a comunidade filosófica.”
A experiência dos professores

Enquanto se discutem medidas políticas para a melhoria no sistema de ensino de filosofia, professores de nível médio lançam mão da criatividade para obter resultados em suas aulas. Algumas iniciativas foram apresentadas no encontro da Anpof.

O professor Rui Valese, do Colégio Estadual Deputado Arnaldo Busato, de Pinhais (PR), por exemplo, conseguiu estimular estudantes de primeiro e segundo ano a refletir sobre conceitos de felicidade e satisfação com um método que envolveu diálogos interdisciplinares.

Com auxílio de professores de biologia e química, os alunos estudaram a composição química de lanches da rede de lanchonetes McDonald’s e os efeitos que os ingredientes podem ter no organismo humano. O objetivo era, por meio dos quatro passos do método cartesiano para construção da verdade, responder a uma pergunta: “O McLanche Feliz traz felicidade?”
Para ensinar filosofia política, a professora Joselaine Perin, da escola estadual Ceciliano Abel de Almeida, em São Mateus, no Espírito Santo, organizou uma viagem de 350 km para levar seus alunos à Assembleia Legislativa do estado, localizada na capital, Vitória. Coincidiu de, no dia da visita, encontrarem os servidores da Casa em greve por melhores salários, e os deputados em sessão na qual votavam o aumento dos próprios vencimentos.

“Conseguimos abordar um parlamentar e os alunos questionaram o que estava acontecendo”, contou. Segundo Perin, há muita dificuldade de se trabalhar com textos clássicos com os alunos, uma vez que muitos deles chegam ao ensino médio ainda semialfabetizados.

“O maior erro é usar a metodologia do ensino universitário”, disse o professor Renato Velloso, do Instituto de Educação Governador Roberto da Silveira, em Duque de Caxias, região metropolitana do Rio de Janeiro. Velloso é autor de Lecionando filosofia para adolescentes, livro que descreve métodos de ensino que professores da área podem seguir.

A ideia é compartilhada por Danilo Marcondes, coordenador da área de filosofia na Capes. “Estamos acostumados a dar aula para alunos de filosofia, que, supõe-se, têm interesse pelo tema. Os alunos de ensino médio são obrigados a estudá-la”.

Fonte: Ciência Hoje On-line/ PR

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