sexta-feira, 27 de abril de 2018

Descartes e Espinosa, influências no ideário de Giambattista Vico


Não obstante, Giambattista Vico (1668-1744) expor em sua Autobiografia (1725-1728) o modo como percorreu ou transcorreu a sua formação desde a tenra infância até os estudos acadêmicos. Pesquisas sobre o autor trouxeram à luz que vários outros pensadores tiveram forte autoridade na formação de suas ideias. Vico elenca na sua Autobiografia a relevância de quatro autores (quatro autori), que influenciaram seu pensamento, a saber: Platão, Tácito, Hugo Grócio e Francis Bacon. Evidente que alguns entre os autores pouco conhecidos, figurem alguns que tiveram uma carga maior de alcance na gestação de alguns conceitos e mesmo ideias. É sabido de todos, a forte expansão das ideias advindas dos pensadores Descartes e Espinosa, no entanto, eles não constam como participante do seleto grupo dos citados quatro autores. Alguns estudiosos chegam a intentar uma influência autoral que chamaríamos de “negativa” na obra viquiana, mas apenas no sentido da influência, que as ideias, que foram enfrentadas com afinco por Vico contra o cartesianismo e o espinosismo, visto que o autor da Scienza Nuova se opôs a algumas concepções postas em prática sob o viés tanto do cartesianismo quanto do espinosismo. Descartes admirado e ao mesmo tempo rejeitado, conforme Vico, pela filosofia árida que acabou afastando-o. Espinosa, embora chegue a ser forte influenciador, também será alvo de severas críticas, visto que sua doutrina compromete a vida em comunidade. Vico via o espinosismo com bastante cautela. A intenção deste estudo é apreciar nas obras de Giambattista Vico traços do pensamento, tanto de Descartes quanto de Espinosa, em seus escritos.

Palavras Chave: Cartesianismo. Espinosismo. Pensamento.
Marcos Aurélio













Não obstante, Giambattista Vico (1668-1744) expor em sua Autobiografia (1725-1728) o modo como percorreu ou transcorreu a sua formação desde a tenra infância até os estudos acadêmicos. Estudos sobre o autor trouxeram revelaram que vários outros pensadores tiveram forte autoridade na formação de suas ideias. Vico elenca na sua Autobiografia a relevância de quatro autores (quatro autori), que influenciaram seu pensamento, a saber: Platão, Tácito, Hugo Grócio e Francis Bacon. Evidente que dentre alguns autores não escolhidos, figurem alguns que tiveram mais que outros, uma carga maior de alcance na gestação de alguns conceitos e mesmo ideias.
É sabido de todos, a forte influência das ideias do pensador Descartes, no entanto, ele não participa do seleto grupo dos citados quatro autores. Alguns estudiosos chegam a objetar inclusive uma influência autoral, que chamaríamos de “negativa” na obra viquiana, mas apenas no sentido da influência que estas ideias, que foram encaradas com certa desconfiança e obstinação por Vico. O autor rebate algumas concepções do cartesianismo e o espinosismo, visto que o autor da Scienza Nuova se opôs a algumas visões postas em prática sob o viés tanto do cartesianismo quanto do espinosismo.
Nessa esteira, aproveito para tratar aqui de outro autor que deve ser considerado como um desses “autores negativos”, me refiro aqui ao eminente Von Baruch Espinosa. Vico via o espinosismo com bastante cautela. A intenção deste estudo é apreciar no ideário, bem como nas obras de Giambattista Vico, traços do pensamento de Espinosa em seus escritos.
Mesmo adotando concepções espinosistas como, por exemplo, aquela sobre a ordem das ideias, o autor pretende refutar o viés fatalista proposto por Espinosa, pois suas concepções, de acordo com Vico, tinham fundamentos no pensamento estoico[1]. Uma de suas principais preocupações era com a adoção de doutrinas fatalistas ou casualistas pelos eruditos, porque nenhum povo ou nação formou-se em circunstâncias pré-determinadas ou ao acaso. Não esquecendo que Espinosa, herdeiro do cartesianismo, certamente estava incluído na orientação de pensadores considerados dogmáticos [2].
Jorge Vaz de Carvalho em sua tradução da obra de Vico, a Ciência Nova aponta a similaridade de ideias, algo que confirma nossa posição[3]. Vico explicita na Dignidade I Dos Elementos: O homem, devido à indefinida natureza da mente humana, quando cai na ignorância, faz de si a regra do universo[MA1]  [4], semelhante ao que expressa Espinosa na sua Ética.

É por isso que, quanto às coisas acabadas, eles buscam, sempre, saber apenas as causas finais, satisfazendo-se, por não terem qualquer outro motivo para duvidar, em saber delas por ouvir dizer. Se, entretanto, não puderem saber dessas causas por ouvirem de outrem, só lhes resta o recurso de se voltarem para si mesmos e refletirem sobre os fins que habitualmente os determinam a fazer coisas similares e, assim, necessariamente, acabam por julgar a inclinação alheia pela sua própria[5].

As ideias surgiram quando os homens começaram a meditar sobre as coisas presentes na sua realidade. Em razão disso, a mente, a princípio, será guiada pelos sentidos, pela grande dificuldade de meditar sobre si própria.

Não é este, entretanto, o lugar para deduzi-los da natureza da mente humana. Será suficiente aqui que eu tome como fundamento aquilo que deve ser reconhecido por todos, a saber, que todos os homens nascem ignorantes das causas das coisas e que todos tendem a buscar o que lhes é útil, estando conscientes disso[6].

               
Citamos aqui essas passagens da Ética de Benedictus Espinosa apenas para uma pequena demonstração da forte influência de suas concepções na formação do ideário de Vico. A exposição de argumentos e ideias são influenciadas pelo método geométrico, procedimentos utilizados tanto por Espinosa quanto por Descartes. Vico diz ter adotado o método geométrico em seu escrito, pois escreveu: esta ciência procede como a geometria[7]. Apresentou, porém, algumas considerações sobre tal método de exposição de ideias por considerá-lo ineficiente[8], quando se está diante da escolha humana, e da qual a tradição (poetas, historiadores, oradores, retóricos, filósofos, gramáticos) é um testemunho irrefutável. Giambattista Vico expõe os limites da Geometria ou Matemática, bem como da influência de Descartes, de modo enérgico na edição da Scienza Nuova de 1730. Segundo Vico:


Descartes havia feito na filosofia, aquilo que Lutero tinha feito na religião: ele foi militar, a geometria era a ciência que havia educado o seu gênio; lendo os filósofos, ficou profundamente desgostoso da confusão das escolas, da servidão dos escolásticos, das disputas intermináveis, daquelas obscuridades aristotélicas, daqueles sistemas mesquinhos fundamentados em sofismas da dialética, e metade  com base na autoridade dos antigos: ele chocou com esse velho edifício com o impulso de um militar, com a potência de um geômetra. Evidência, banimento da autoridade, demonstração clara, geométrica em cada coisa, eis o grito que elevou Descartes em meio às ambiguidades, às obscuridades, à servidão dos escolásticos; as autoridades se destroem, os sistemas se extraviam quando se deseja explicar o universo como uma verdade matemática; é então necessário fechar os livros, abandonar os sofismas, entrar outra vez no pensamento para criar novamente a ciência. Esta foi a persuasão de Descartes no decorrer das filosofias contemporâneas (tradução nossa) [9].

Vico foi, a princípio um grande admirador de René Descartes (1596-1650). Este último chegou mesmo a influenciar os escritos: tanto na metodologia quanto no ideário. Peter Burke defende que Vico tinha a pretensão de apresentar as conclusões elementares da Scienza Nuova, à maneira do método geométrico cartesiano. Igualmente, a própria Autobiogafia de Vico teve como modelo a narrativa do Discurso do Método (1637). Posteriormente ocorreu, um desencanto: Vico passou a hostilizar as ideias cartesianas. Na obra De nostri temporis studiorum ratione (1708), ele principia os seus ataques contra o cartesianismo por ser o método de Descartes um risco, em virtude do primado da dedução. Para Vico, trata-se de algo insustentável, porque se descarta outras formas de conhecimento e faculdades como a imaginação, em que reside a inventividade.
Embora não tenha obtido em sua época os devidos reconhecimentos, na atualidade muitos intérpretes consideram Vico como um homem fora de seu tempo. Isto é inverossímil, pois alguns estudos atestam a influência da época em seu modo de pensar[10]. O pensamento viquiano está perfeitamente inserido em seu tempo. Vico não possuía, entretanto, como esclarece Berlin, o dom de expor as suas ideias com a clareza de seus mentores intelectuais. Nasceu num período em que as concepções de seu principal antagonista, Descartes, ditava justamente algo que ele não possuía, ou seja, a clareza, pois o “novo método” caracterizava-se, em especial, pela capacidade de expor as ideias de modo claro e preciso.
Mesmo se opondo a muitas das ideias de Descartes, Vico não deixou de assimilar algo, ou seja, o método geométrico de exposição de ideias. Segundo Burke, Vico pretendeu apresentar as principais conclusões da sua Scienza Nuova e de sua Autobiografia utilizando tal método, a maneira de como Descartes expôs o seu Discurso do método (1637)[11]. Vico ataca as ideias de Descartes, mas não o faz de forma cega. Ele procura distinguir o que é louvável do que é reprovável. Por exemplo, é louvável as conquistas que o novo método havia possibilitado, mas por outro lado reprovável a sua aplicabilidade nos campos da sabedoria prática, da ética, da política e do direito. Nestes campos, o método dos antigos ainda era superior. É neste ponto, que se percebe a influência de Bacon: talvez pela leitura que Vico fez da sua Antiga sabedoria dos antigos. Para Vico, as ideias auto evidentes poderiam ser constatadas em determinados ramos da ciência, mas querer abarcar todas as ciências com tal método era um erro de percepção da realidade[12].
Assim caminhamos para o término dessa pesquisa esclarecendo de antemão que, abordamos um tema que não é novo, visto que é notória a influência desses dois filósofos, tanto Descartes, quanto Espinosa são autores bastante motivadores quer seja na formação intelectual, quer seja nas obras de Giambattista Vico. A pesquisa tem mais uma finalidade de podermos assim dizer, abrir caminho para aqueles que estão iniciando o estudo nestes autores da corrente racionalista da modernidade, ambos os três fortemente influenciados pela cultura gestada no Renascimento.




[1] Vico adotou uma postura de intolerância com as doutrinas estoicista e epicuristas pelo fato de ambas negarem a Providência. Toda a sua obra tem como principal finalidade a comprovação de que esta governou o curso do mundo civil das nações.
[2] Vejamos as considerações de Antônio José P. Filho: “Numa primeira leitura, as asserções de Vico sobre Espinosa parecem apontar para uma oposição radical entre os dois filósofos; afinal Vico jamais aceitaria o determinismo metafísico, ou de acordo com as suas próprias palavras, a ideia de que o mundo seja Deus operante por necessidade, como sustenta Espinosa, junto com os estóicos” (SN §1222); além disso, Vico é um autor católico que escreve sob a vigilância da inquisição napolitana e, nesse contexto, jamais poderia aceitar a crítica espinosana a Bíblia tout court e nem mesmo sua teoria política; segundo o filósofo “Espinosa fala da república como de uma sociedade de mercadores” (SN §335)”. (FILHO, Antônio José Pereira. Método, imaginação, história; a presença de Espinosa em Vico. In: Spinoza: tecer colóquio / Boris Eremiev; Mariana de Gainza; Luis Placencia compilado por Diego Tatián. - 1ª ed. – Córdoba: Brujas, 2007, p. 345.).
[3] Conforme vemos na ética de Espinosa:Proposição 7. A ordem e a conexão das idéias é o mesmo que a ordem e a conexão das coisas.” Demonstração. É evidente pelo ax. 4 da P. 1. Com efeito, a idéia de qualquer coisa causada depende do conhecimento da causa da qual ela é o efeito. Ética/Spinoza; [tradução e notas de Tomaz Tadeu]. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.  Cf.  Também em Vico escreve Secção Segunda Dos Elementos LXIV A ordem das ideias deve proceder segundo a ordem dos objetos. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 140.
[4] VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 125. De acordo também com o que já havia expressado lá nos Elementos na página 105.
[5] Ética/Spinoza; [tradução e notas de Tomaz Tadeu]. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2007, p. 65.
[6] Ibidem, p. 65.
[7] Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 187.
[8] Ver aqui as considerações de Bordogna sobre o método geométrico: “De fato, ométodo geométrico’, usado incondicionalmente pelos cartesianos, se vale seguramente para a verdade de tipo matemátco, não vale sempre no âmbito das coisas da natureza: daqui o aviso viquiano de renunciar onde for necessário, aquela verdade assegurada do método geométrico para comtemplar a simples verossimilhança”. [Difatti il "metodo geometrico", utilizzato incondizionatamente dai cartesiani, se vale sicuramente per le verità di tipo matematico, non vale sempre nell'ambito delle cose della natura: da qui il monito vichiano a rinunciare, dove è necessario, a quella verità assicurata dal metodo geometrico per mirare alle semplice verosimiglianza]; (BORDOGNA, Alberto. Gli idoli del foro: Retórica e mito nel pensiero di Giambattista Vico, p. 39.).
[9] VICO, Giambattista. Scienza Nuova [1730]. Opere di Giambattista Vico Società tipog. de'classici italiani Adobe Digital Editions (433 páginas) Data de adição: 05 Jan, 2011, 11:11, p. 69: “Descartes fece nella filosofia ciò che Lutero aveva fatto nella religione: egli era stato militare, la geometria era la scienza che aveva educato il suo genio; leggendo i filosofi, fu profondamente disgustalo dalla confusione delle scuole, dalla servilità degli scolastici, dalle dispute interminabili, da quelle oscurità aristoteliche, da que' sistemi meschini metà fondati sui sofismi della dialettica, metà sull'autorità degli antichi: egli urtò questo vecchio edifizio coll'impelo di un militare, colla potenza di un geometra. Evidenza, bando all'autorità, dimostrazione chiara, geometrica in ogni cosa, ecco il grido che inalzò Descartes in mezzo alle ambagi, alle oscurità, alla servilità degli scolastici; le autorità si distruggono, i sistemi si smarriscono quando si vuole spiegare l'universo come una verità matematica; è quindi necessario chiudere 'libri, abbandonare i sofismi, rientrare nel pensiero per creare nuovamente la scienza. Questa fu la persuasione di Descartes nello scorrere le filosofie contemporanee”.
[10] Sobre tais questões, recomendam-se as leituras de Umanesimo e religione in Vico e G. B. Vico (Laterza, Bari, 1935) e ainda, FERRATER MORA, J.” Vico ou a visão renascentista”, in: Visões da História, Porto-Portugal: Rés, s/d.7 Cf. BERLIN, Isaiah. Vico e Herder, p. 94.
[11] Ibidem, p. 29.
[12] Ibidem p. 34.







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O autor

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