Não obstante,
Giambattista Vico (1668-1744) expor em sua Autobiografia
(1725-1728) o modo como percorreu ou transcorreu a sua formação desde a tenra
infância até os estudos acadêmicos. Pesquisas sobre o autor trouxeram à luz que
vários outros pensadores tiveram forte autoridade na formação de suas ideias.
Vico elenca na sua Autobiografia a
relevância de quatro autores (quatro autori), que influenciaram seu
pensamento, a saber: Platão, Tácito, Hugo Grócio e Francis Bacon. Evidente que
alguns entre os autores pouco conhecidos, figurem alguns que tiveram uma carga
maior de alcance na gestação de alguns conceitos e mesmo ideias. É sabido de
todos, a forte expansão das ideias advindas dos pensadores Descartes e
Espinosa, no entanto, eles não constam como participante do seleto grupo dos
citados quatro autores. Alguns estudiosos chegam a intentar uma influência
autoral que chamaríamos de “negativa” na obra viquiana, mas apenas no sentido
da influência, que as ideias, que foram enfrentadas com afinco por Vico contra
o cartesianismo e o espinosismo, visto que o autor da Scienza Nuova se opôs a
algumas concepções postas em prática sob o viés tanto do cartesianismo quanto
do espinosismo. Descartes admirado e ao mesmo tempo rejeitado, conforme Vico,
pela filosofia árida que acabou afastando-o. Espinosa, embora chegue a ser
forte influenciador, também será alvo de severas críticas, visto que sua
doutrina compromete a vida em comunidade. Vico via o espinosismo com bastante
cautela. A intenção deste estudo é apreciar nas obras de Giambattista Vico
traços do pensamento, tanto de Descartes quanto de Espinosa, em seus escritos.
Palavras Chave:
Cartesianismo. Espinosismo. Pensamento.
Marcos Aurélio
Não
obstante, Giambattista Vico (1668-1744) expor em sua Autobiografia (1725-1728) o modo como percorreu ou transcorreu a
sua formação desde a tenra infância até os estudos acadêmicos. Estudos sobre o
autor trouxeram revelaram que vários outros pensadores tiveram forte autoridade
na formação de suas ideias. Vico elenca na sua Autobiografia a relevância de quatro autores (quatro autori), que
influenciaram seu pensamento, a saber: Platão, Tácito, Hugo Grócio e Francis
Bacon. Evidente que dentre alguns autores não escolhidos, figurem alguns que
tiveram mais que outros, uma carga maior de alcance na gestação de alguns
conceitos e mesmo ideias.
É sabido
de todos, a forte influência das ideias do pensador Descartes, no entanto, ele
não participa do seleto grupo dos citados quatro autores. Alguns estudiosos
chegam a objetar inclusive uma influência autoral, que chamaríamos de
“negativa” na obra viquiana, mas apenas no sentido da influência que estas
ideias, que foram encaradas com certa desconfiança e obstinação por Vico. O
autor rebate algumas concepções do cartesianismo e o espinosismo, visto que o
autor da Scienza Nuova se opôs a
algumas visões postas em prática sob o viés tanto do cartesianismo quanto do
espinosismo.
Nessa
esteira, aproveito para tratar aqui de outro autor que deve ser considerado
como um desses “autores negativos”, me refiro aqui ao eminente Von Baruch Espinosa.
Vico via o espinosismo com bastante cautela. A intenção deste estudo é apreciar
no ideário, bem como nas obras de Giambattista Vico, traços do pensamento de Espinosa
em seus escritos.
Mesmo
adotando concepções espinosistas como, por exemplo, aquela sobre a ordem das
ideias, o autor pretende refutar o viés fatalista proposto por Espinosa, pois suas
concepções, de acordo com Vico, tinham fundamentos no pensamento estoico[1]. Uma
de suas principais preocupações era com a adoção de doutrinas fatalistas ou
casualistas pelos eruditos, porque nenhum povo ou nação formou-se em
circunstâncias pré-determinadas ou ao acaso. Não esquecendo que Espinosa,
herdeiro do cartesianismo, certamente estava incluído na orientação de
pensadores considerados dogmáticos [2].
Jorge Vaz
de Carvalho em sua tradução da obra de Vico, a Ciência Nova aponta a
similaridade de ideias, algo que confirma nossa posição[3]. Vico
explicita na Dignidade I Dos Elementos: O homem, devido à indefinida natureza da mente humana, quando cai na
ignorância, faz de si a regra do universo[MA1] [4], semelhante ao que expressa
Espinosa na sua Ética.
É por isso que, quanto às coisas acabadas,
eles buscam, sempre, saber apenas as causas finais, satisfazendo-se, por não
terem qualquer outro motivo para duvidar, em saber delas por ouvir dizer. Se,
entretanto, não puderem saber dessas causas por ouvirem de outrem, só lhes
resta o recurso de se voltarem para si mesmos e refletirem sobre os fins que
habitualmente os determinam a fazer coisas similares e, assim, necessariamente,
acabam por julgar a inclinação alheia pela sua própria[5].
As ideias surgiram quando os homens começaram a
meditar sobre as coisas presentes na sua realidade. Em razão disso, a mente, a
princípio, será guiada pelos sentidos, pela grande dificuldade de meditar sobre
si própria.
Não é este, entretanto, o lugar para
deduzi-los da natureza da mente humana. Será suficiente aqui que eu tome como
fundamento aquilo que deve ser reconhecido por todos, a saber, que todos os
homens nascem ignorantes das causas das coisas e que todos tendem a buscar o
que lhes é útil, estando conscientes disso[6].
Citamos aqui essas passagens da Ética de Benedictus Espinosa apenas para
uma pequena demonstração da forte influência de suas concepções na formação do
ideário de Vico. A exposição de argumentos e ideias são influenciadas pelo
método geométrico, procedimentos utilizados tanto por Espinosa quanto por
Descartes. Vico diz ter adotado o método geométrico em seu escrito, pois escreveu:
esta ciência procede como a geometria[7].
Apresentou, porém, algumas considerações sobre tal método de exposição de
ideias por considerá-lo ineficiente[8],
quando se está diante da escolha humana, e da qual a tradição (poetas,
historiadores, oradores, retóricos, filósofos, gramáticos) é um testemunho
irrefutável. Giambattista Vico expõe os limites da Geometria ou Matemática, bem
como da influência de Descartes, de modo enérgico na edição da Scienza Nuova de 1730. Segundo Vico:
Descartes
havia feito na filosofia, aquilo que Lutero tinha feito na religião: ele foi
militar, a geometria era a ciência que havia educado o seu gênio; lendo os
filósofos, ficou profundamente desgostoso da confusão das escolas, da servidão
dos escolásticos, das disputas intermináveis, daquelas obscuridades
aristotélicas, daqueles sistemas mesquinhos fundamentados em sofismas da
dialética, e metade com base na
autoridade dos antigos: ele chocou com esse velho edifício com o impulso de um
militar, com a potência de um geômetra. Evidência, banimento da autoridade,
demonstração clara, geométrica em cada coisa, eis o grito que elevou Descartes
em meio às ambiguidades, às obscuridades, à servidão dos escolásticos; as
autoridades se destroem, os sistemas se extraviam quando se deseja explicar o
universo como uma verdade matemática; é então necessário fechar os livros,
abandonar os sofismas, entrar outra vez no pensamento para criar novamente a
ciência. Esta foi a persuasão de Descartes no decorrer das filosofias contemporâneas
(tradução nossa) [9].
Vico foi, a princípio um grande
admirador de René Descartes (1596-1650). Este último chegou mesmo a influenciar
os escritos: tanto na metodologia quanto no ideário. Peter Burke defende que
Vico tinha a pretensão de apresentar as conclusões elementares da Scienza Nuova, à maneira do método
geométrico cartesiano. Igualmente, a própria Autobiogafia de Vico teve como modelo a narrativa do Discurso do Método (1637).
Posteriormente ocorreu, um desencanto: Vico passou a hostilizar as ideias
cartesianas. Na obra De nostri temporis
studiorum ratione (1708), ele principia os seus ataques contra o
cartesianismo por ser o método de Descartes um risco, em virtude do primado da
dedução. Para Vico, trata-se de algo insustentável, porque se descarta outras
formas de conhecimento e faculdades como a imaginação, em que reside a inventividade.
Embora não tenha obtido em sua época os devidos reconhecimentos, na
atualidade muitos intérpretes consideram Vico como um homem fora de seu tempo.
Isto é inverossímil, pois alguns estudos atestam a influência da época em seu
modo de pensar[10]. O
pensamento viquiano está perfeitamente inserido em seu tempo. Vico não possuía,
entretanto, como esclarece Berlin, o dom de expor as suas ideias com a clareza
de seus mentores intelectuais. Nasceu num período em que as concepções de seu
principal antagonista, Descartes, ditava justamente algo que ele não possuía,
ou seja, a clareza, pois o “novo método” caracterizava-se, em especial, pela
capacidade de expor as ideias de modo claro e preciso.
Mesmo se opondo a muitas das ideias de Descartes, Vico não deixou de
assimilar algo, ou seja, o método geométrico de exposição de ideias. Segundo
Burke, Vico pretendeu apresentar as principais conclusões da sua Scienza Nuova e de sua Autobiografia utilizando tal método, a
maneira de como Descartes expôs o seu Discurso do método (1637)[11]. Vico
ataca as ideias de Descartes, mas não o faz de forma cega. Ele procura
distinguir o que é louvável do que é reprovável. Por exemplo, é louvável as
conquistas que o novo método havia possibilitado, mas por outro lado reprovável
a sua aplicabilidade nos campos da sabedoria prática, da ética, da política e
do direito. Nestes campos, o método dos antigos ainda era superior. É neste
ponto, que se percebe a influência de Bacon: talvez pela leitura que Vico fez
da sua Antiga sabedoria dos antigos.
Para Vico, as ideias auto evidentes poderiam ser constatadas em determinados
ramos da ciência, mas querer abarcar todas as ciências com tal método era um
erro de percepção da realidade[12].
Assim caminhamos para o término dessa pesquisa esclarecendo de antemão
que, abordamos um tema que não é novo, visto que é notória a influência desses
dois filósofos, tanto Descartes, quanto Espinosa são autores bastante motivadores
quer seja na formação intelectual, quer seja nas obras de Giambattista Vico. A
pesquisa tem mais uma finalidade de podermos assim dizer, abrir caminho para aqueles
que estão iniciando o estudo nestes autores da corrente racionalista da
modernidade, ambos os três fortemente influenciados pela cultura gestada no
Renascimento.
[1]
Vico adotou uma postura de intolerância com as doutrinas estoicista e
epicuristas pelo fato de ambas negarem a Providência. Toda a sua obra tem como
principal finalidade a comprovação de que esta governou o curso do mundo civil
das nações.
[2]
Vejamos as considerações de Antônio José P. Filho: “Numa primeira leitura, as
asserções de Vico sobre Espinosa parecem apontar para uma oposição radical
entre os dois filósofos; afinal Vico jamais aceitaria o determinismo
metafísico, ou de acordo com as suas próprias palavras, a ideia de que o mundo
seja Deus operante por necessidade, como sustenta Espinosa, junto com os
estóicos” (SN §1222); além disso, Vico é um autor católico que escreve sob a
vigilância da inquisição napolitana e, nesse contexto, jamais poderia aceitar a
crítica espinosana a Bíblia tout court e nem mesmo sua teoria política;
segundo o filósofo “Espinosa fala da república como de uma sociedade de
mercadores” (SN §335)”. (FILHO, Antônio José Pereira. Método, imaginação,
história; a presença de Espinosa em Vico. In: Spinoza: tecer colóquio / Boris
Eremiev; Mariana de
Gainza; Luis Placencia compilado por Diego Tatián. - 1ª ed. – Córdoba: Brujas,
2007, p. 345.).
[3]
Conforme
vemos na ética de Espinosa: “Proposição 7. A ordem e a
conexão das idéias é o mesmo que a ordem e a conexão das coisas.” Demonstração.
É evidente pelo
ax. 4 da P. 1. Com efeito, a idéia de qualquer coisa causada depende do
conhecimento da causa da qual ela é o efeito. Ética/Spinoza; [tradução e notas de
Tomaz Tadeu]. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. Cf. Também
em Vico escreve Secção Segunda Dos Elementos LXIV A ordem das ideias deve
proceder segundo a ordem dos objetos. VICO, Giambattista. Ciência Nova, p. 140.
[4]
VICO, Giambattista. Ciência Nova, p.
125. De acordo também com o que já havia expressado lá nos Elementos na página 105.
[5]
Ética/Spinoza;
[tradução e notas de Tomaz Tadeu]. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2007, p.
65.
[6]
Ibidem, p. 65.
[7]
Cf. VICO, Giambattista. Ciência Nova,
p. 187.
[8]
Ver aqui as considerações de Bordogna sobre o método geométrico: “De fato, o ‘método geométrico’, usado incondicionalmente pelos cartesianos, se vale seguramente para a verdade de tipo
matemátco, não vale sempre no âmbito das coisas da natureza: daqui o aviso
viquiano de renunciar onde for necessário, aquela verdade assegurada do método
geométrico para comtemplar a simples verossimilhança”. [Difatti il "metodo geometrico",
utilizzato incondizionatamente dai cartesiani, se vale sicuramente per le
verità di tipo matematico, non vale sempre nell'ambito delle cose della natura:
da qui il monito vichiano a rinunciare, dove è necessario, a quella verità
assicurata dal metodo geometrico per mirare alle semplice verosimiglianza];
(BORDOGNA, Alberto. Gli idoli del foro:
Retórica e mito nel pensiero di Giambattista Vico, p. 39.).
[9] VICO, Giambattista. Scienza
Nuova [1730]. Opere di Giambattista Vico Società tipog. de'classici italiani Adobe
Digital Editions (433 páginas) Data de adição: 05 Jan, 2011, 11:11, p. 69:
“Descartes fece nella filosofia ciò che Lutero aveva fatto nella religione:
egli era stato militare, la geometria era la scienza che aveva educato il suo
genio; leggendo i filosofi, fu profondamente disgustalo dalla confusione delle
scuole, dalla servilità degli scolastici, dalle dispute interminabili, da
quelle oscurità aristoteliche, da que' sistemi meschini metà fondati sui
sofismi della dialettica, metà sull'autorità degli antichi: egli urtò questo
vecchio edifizio coll'impelo di un militare, colla potenza di un geometra.
Evidenza, bando all'autorità, dimostrazione chiara, geometrica in ogni cosa,
ecco il grido che inalzò Descartes in mezzo alle ambagi, alle oscurità, alla
servilità degli scolastici; le autorità si distruggono, i sistemi si
smarriscono quando si vuole spiegare l'universo come una verità matematica; è
quindi necessario chiudere 'libri, abbandonare i sofismi, rientrare nel
pensiero per creare nuovamente la scienza. Questa fu la persuasione di
Descartes nello scorrere le filosofie contemporanee”.
[10] Sobre tais questões,
recomendam-se as leituras de Umanesimo e
religione in Vico e G. B. Vico (Laterza,
Bari, 1935) e ainda, FERRATER MORA, J.” Vico ou a visão renascentista”, in: Visões da História, Porto-Portugal: Rés,
s/d.7 Cf. BERLIN, Isaiah. Vico e Herder,
p. 94.
[11] Ibidem, p. 29.
[12] Ibidem p. 34.
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